As muitas caras da Poesia

5.14.2008

O "novo" Velho da Horta


Gente estava a um tempo afastado, obrigações de trabalho, doutorado na cabeça, mas precisava postar um resumo de uma POSSÍVEL nova leitura obrigatória dos processos seletivos aqui de Belém, na verdade, é só uma súmula, o que chamo de "resumo da preguiça", mas vai ajudar a dar os primeiros passos (olha o chavão!). A obra é facilmente encontrável na rede e (novamente sendo previsível) a leitura da obra é sempre melhor. Mas vamos ao resumo que espero ajude, como sempre os comentários, dúvidas, acréscimos, são a razão desse blog.

O HUMANISMO DE GIL VICENTE :

I.ASPECTOS HISTÓRICOS

Do final do século XV a meados do XVI os países da Europa, seguindo a Itália, que foi precursora, entraram na fase mercantil propriamente dita e tentaram adaptá-la às suas estruturas feudais.
O aumento do volume de trocas, inclusive do dinheiro, intensifica a busca de metais preciosos e conseqüentemente de lugares onde eles existam. O descobrimento da prata na América e do caminho marítimo para a índia vem ao encontro desta necessidade.
Em Portugal, após a descoberta do caminho marítimo para a Índia, o processo de centralização política e econômica sob a chefia do Rei intensifica-se, ou seja, a burguesia mercantil fica subordinada ao Rei e a exploração econômica é monopolizada pela Coroa. Perceba, caro(a) universitário(a), que é uma nova estrutura amarrada a velhos costumes palacianos.
É óbvio que a forma como se apresentará o pensamento cultural sofrerá alterações. A principal delas é o advento do pensamento humanista que exprime a crença em valores morais e estéticos que sejam humanos e não divinos, é portanto, a valorização do homem e o começo do questionamento da dominação clerical.
A descoberta da tipografia em meados do século XV, é fundamental para a divulgação do pensamento Humanista e das obras literárias como um todo, tornando algumas delas mais populares.
Como iniciadores dos descobrimentos marítimos, os portugueses tiveram papel importante no desenvolvimento dessa cultura que acabou desembocando no Renascimento.
O teatro de Gil Vicente em sua diversidade estética e temática mostra exatamente estas duas relações históricas: o fim da era medieval e uma incipiente atmosfera humanista e renascentista.


II.PEQUENA BIOGRAFIA DE GIL VICENTE


As datas de nascimento e morte de Gil Vicente são incertas. Estima-se que nasceu entre 1465 e 1470 e que morreu entre 1536 e 1540. Com ele o teatro português sai da pré-história graças ao melhor acabamentos estético e a introdução de algumas estruturas dramáticas. Seu teatro é extremamente influenciado pelo do espanhol Juan del Encina.
Gil Vicente é um escritor de transição entre o medieval e a modernidade, a maioria das suas peças é bilingüe (espanhol e português). Seu primeiro auto foi encenado em 1502 em homenagem ao nascimento do rei (auto da Visitação ou monólogo do vaqueiro).
Apesar de ser um escritor cortesão não deixou de criticar de modo irônico a vida na corte, atividade que só foi encerrada com o estabelecimento da inquisição em Portugal, pelo Papa Paulo III.
Gil Vicente é uma testemunha da época e retrata todas as transformações econômicas e religiosas pelas quais passa sua pátria.











III. O VELHO DA HORTA
Apresentação

O VELHO DA HORTA, de Gil Vicente, que foi representado em 1512, é uma farsa ( a segunda do camarada, a primeira é o AUTO da Índia, lembras?). Farsa é uma expressão latina que quer dizer rechear, fartar. É burlesca, exagerada, próxima do ridículo e principalmente centrada sobre quadros da vida real. O gênero originou-se na Idade Média francesa, mas a princípio pretendia apenas causar o riso sem reflexão, o que NÃO ocorre em Gil Vicente que sempre utiliza a ironia como modo de criticar a sociedade que o circunda a fim de moralizá-la.
É uma obra escrita em versos, com métrica popular que descreve uma intriga engenhosamente construída. O tema é o do velho apaixonado. O Velho está no seu jardim. E os jardins são para Gil Vicente lugares privilegiados, sempre impregnados mais ou menos de eflúvios amorosos. Uma jovem vem ali para colher "cheiros para a panela". O Velho corteja-a e ela resiste.
A mulher do velho manda-o chamar para vir jantar, mas ele recusa-se e fica no jardim esquecido da sua idade e entoando canções de amor.
A Alcoviteira Branca Gil, vendo nele uma presa fácil, vem encontrar-se com ele. Consegue extorquir-lhe todo o dinheiro que pode levando-o a acreditar que lhe abrirá caminho até ao coração da jovem. Mas um alcaide, acompanhado por quatro beleguins, prende Branca Gil, que será castigada como merece.
E o Velho vem a saber que a moça por quem está apaixonado já se casou com um "noivo moço" que "não tirava os olhos dela".
Pouco mais seria necessário para fazer de tal tema um drama, isso até acontece algumas vezes na maneira como se exprime o Velho.
O velho apaixonado, apesar de tudo, continua sendo até ao fim ridículo e odioso. A simpatia dos espectadores vai toda para a jovem, apesar da crueldade com que ela o trata.
O que esta farsa exalta é a vitória da juventude e da vida contra a velhice e a morte. E acontece que, desta vez, a causa da juventude se confunde com a da moral, visto que no remate a jovem simpática se casa e o velho libidinoso é escarnecido.
Não perca de vista que há também uma crítica ao comportamento trovadoresco representado pelo velho e que é, como ele, ultrapassado.

A Narrativa
A obra começa com o velho que passeia por sua propriedade e reza o que mostra a influência medieval “Velho — Pater noster criador, Qui es in coelis, poderoso, Santificetur, Senhor,
nomen tuum vencedor, nos céu e terra piedoso. Adveniat a tua graça, regnum tuum sem mais guerra; voluntas tua”
Logo após entra a moça. Gil Vicente é um criador de tipos. A linguagem do Velho é um arremedo da poesia palaciana. A linguagem da Moça é zombeteira e se contrapõe à do velho : “Velho — Onde se criou tal flor? Eu diria que nos céus.
Moça — Mas no chão.
Velho — Pois damas se acharão que não são vosso sapato!
Moça — Ai! Como isso é tão vão, e como as lisonjas são de barato!
Velho — Que buscais vós cá, donzela, senhora, meu coração?
Moça — Vinha ao vosso hortelão, por cheiros para a panela.” A entrada do PARVO, criado do velho, mostra uma tentativa de chamar o patrão, inutilmente, para as coisas práticas do dia a dia: “Velho — Vai-te! Queres que t’açoite? Oh! Dou ao demo a intrujona sem saber!
Parvo — Diz que fosseis vós comer e não demoreis aqui.
Velho — Não quero comer, nem beber.
Parvo — Pois que haver cá de fazer?
Velho — Vai-te daí!”. A esposa do velho apenas entra para reafirmar o ridículo da situação.
Em seguida, entra em cena uma alcoviteira que oferece seus préstimos profissionais para garantir ao Velho a posse da amada. Mediante promessas de que o êxito está próximo, a mulher extorque toda a riqueza do Velho : “Velho — Dizede-me: quem é ela?
Alcoviteira — Vive junto com a Sé. Já! Já! Já! Bem sei quem é! É bonita como
estrela, uma rosinha de abril, uma frescura de maio, tão manhosa, tão sutil!...
Velho — Acudi-me Branca Gil, que desmaio.”. Finalmente, entra em cena a Justiça que prende a alcoviteira, mas retira do Velho a esperança de ver realizado tão louco amor: Alcaide — Vinde da parte de el-Rei!
Alcoviteira — Muita vida seja a sua. Não me leveis pela rua; deixar-me vós, que eu
me irei.
Beleguins — Sus! Andar!
Alcoviteira — Onde me quereis levar, ou quem me manda prender? Nunca havedes
de acabar de me prender e soltar? Não há poder!
Alcaide — Nada se pode fazer.
Alcoviteira — Está já a carocha aviada?!... Três vezes fui já açoitada, e, enfim, hei
de viver. No final, vem a notícia de que a jovem que motivou tão tresloucada paixão casou-se: Velho — Oh coitado! A minha é!
Mocinha — Agora, má hora e vossa! Vossa é a treva. Mas ela o noivo leva. Vai tão
leda, tão contente, uns cabelos como Eva; por certo que não se atreva toda a gente!
O Noivo, moço polido, não tirava os olhos dela, e ela dele.

ESTRUTURA DA OBRA

Quatro versos em redondilhas maiores e um quinto verso com três sílabas métricas. Os conceitos formulados pelo Velho acerca da natureza do amor são quinhentistas (Petrarca). A interlocução do Velho apaixonado, contagiado pelo gosto das antíteses e pelo conceito do conflito entre a razão e o sentimento amoroso:
“que morrer é acabar
e amor não tem saída"

Temática
O tema central é o amor tardio, extemporâneo, as conseqüências desastrosas desse amor e o patético e ridículo do assédio de um velho, que se julga irresistível, a uma jovem esperta e prudente.
Personagens

Parvo – criado do Velho com pouca cultura,limitando-se a chamar-lhe às realidades primárias da vida (o comer) incapaz de compreender grandes dramas.

Alcoviteira – figura pitoresca da baixa sociedade peninsular astuciosa e mistificadora,cuja moral independe de todas as leis da sensibilidade.

Alcaide – antigo oficial de Justiça.

Beleguins – agentes de polícia.

Mocinha – personagem que vai até a horta comprar.

Mulher – espera do Velho, Só interessa o prático

Velho – idoso, proprietário de uma horta, apaixona-se subitamente por uma jovem compradora. Mostra o comportamento palaciano, vassalo, é ridículo.

Moça – rapariga com certa experiência, com resposta ao pé da letra, confiante em si mesmo, disposta a zombar de um velho inofensivo,sem quebra da sua dignidade pessoal.

10 Comments:

  • Olá! Primeiramente gostaria de agradecer, pois este blog salvou minha vida. Estava procurando justamente por esse conto na rede, e só aqui o achei. Obrigada mesmo! E continue assim sempre, ajudando os futuros universitários. Até mais!

    By Anonymous Anônimo, at 8:16 AM  

  • carlos, adorei os comentarios, como sempre me salvando!! dapra vc
    blogar alguns exercicios e comentarios das outras leituras???
    obrigada!!!
    thais

    By Anonymous Anônimo, at 7:10 PM  

  • valeu professor!!! a leitura da obra ficou mais fácil com sua grande ajuda,já havia lido a obra 4 vezes e não tinha entendido nada,mas com sua excelente análise entendi tudo,obrigado mesmo .e até a 1 fase da ufpa................

    By Anonymous Anônimo, at 11:14 PM  

  • Oi professor, não nos conhecemos, eu sou a profª Telma Lemos, moro em Castanhal/Pa, onde desenvolvo minhas atividades li seu site e comentários de seus alunos, gostaria de conhecê-lo, desenvolvo trabalho na rede particular, estadual e municipal, nesta última trabalho em uma fundação cultural que tem como foco na Literatura, gostaria muito de conversar com você sobre. Telma( telma250461@hotmail.com )

    By Blogger Telma, at 9:28 AM  

  • Obrigado!
    Ótima comentários, melhor ainda é sua contribuição dada aos alunos vestibulandos, professores e estudantes das letras. Maneiro poder contar com pessoas com vc.
    Com estimas, Profº. Josyan Wesley.
    wesleymarotto@hotmail.com

    By Anonymous Anônimo, at 10:15 PM  

  • valeu, valeu!!!
    eu estava estudo para o vestibular e não tenho o livro o velho da horta!!
    muito obrigada, pelo resumo!!

    By Blogger francy, at 9:59 PM  

  • Gostei da síntese, mas vamos ao texto.
    Havia lido o texto há algum tempo atrás, não vale a pena contar o tempo, e já ouvi muitas interpretações de professores sobre o texto, e espanto me com a interpretação, vezes até errônea da obra. Obras como "Vestido de Noiva", bem complicado, que nunca me explicaram do modo como vi o livro de Nelson Rodrigues. O Velho da Horta e uma leitura até um ponto simples, mas que dificulta o entendimento de um teatro cômico que não parece engaçado, pois é visto pela cultura da época; levando á interpretações como a da doutora em Literatura que no auditório do Hangar durante a feira do livro veio afirmar que a moça se casou com o "moço" que havia enriquecido nas grandes navegações; pelo contexto da época tal situação poderia acontecer, mas não há nada que se possa afirme ali.
    Vamos começar pelo que não concordei: “Moça Rapariga com certa experiência”, não colocaria idade na personagem, dizer que seria mais velha “experiente” julgaria apenas como “jovem esperta e prudente” mulheres naqueles tempos se casavam cedo, e como conhecimento de vida já vi mulher nova muito esperta com um gênio..., e mulher mais velha que parecia não crescer. O Parvo, o tolo, viria apenas como um criado, um mensageiro da Mulher, com uma ingenuidade dos personagens planos sem função aparente, como a Mocinha que apenas informa o Velho o casamento da Moça, não como alguém que tem um pensamento racional moderno em contraste com a cultura desgastada do Trovadorismo. O terceiro é sobre Branca Gil que em certo ponto ela zomba da policia, mas não a dizer que é da corrupção do sistema judiciário, mas pelo lógico de que será açoitada, já foi açoitada e nem liga mais pois acostumada já nem se importa mais.
    O texto é uma critica aos velhos, mas também ao amor desmedido da diferença de idade, a crença em personagem como alcoviteira que exerciam atividades na época considerada ilegais. Lembrando do Auto da Índia que mostra o excesso de mulheres sozinhas devido às viagens de seus maridos que durante a época que causou uma onda de adultério, necessário então torna-lo crime, resultando na perseguição de personagens como a Alcoviteira. Interpretações se fazem diferentes, tais detalhes não vem a influenciar tanto, e prefiro tirar mesmo minhas próprias conclusões a esperar desfazer conclusões diferentes dos professores, principalmente juízo de valores e julgamentos subjetivos, principalmente sobre obras românticas.
    Fabrício Medeiros, Marinheiro de muitas viagens.
    esboçando Melville. ehehehehe

    By Anonymous Anônimo, at 11:25 PM  

  • Devo realmente salientar que suas apostilas são ótimas, estava lendo a do Physics e parecia que estava assistindo uma aula sua, onde pude me "teletransportar" por alguns momentos para dentro da sala de aula. Isto se consiste exatamente no modo como transcreves para o papel.
    " Copiou, farinha? ... Como Sérgio?... OBSERVA .. TE LIGA"..Os exageros! E até mesmo os diálogos criados, para solucionar qualquer dúvida que possa existir.

    Isto é Ótimo! Pois não torna cansativo qualquer leitura.
    Obrigado.
    Nicoly Uchôa.

    By Anonymous Anônimo, at 4:59 PM  

  • obrigado vc me ajudou muito era isso mesmo que procurava agora ja me sinto bem melhor para poder fazer o vestibular.obrigado mesmo me deseje sorte!

    By Anonymous karen michely, at 3:58 PM  

  • nossa meu professor de portuques e um saco ate q em fim achei esta pagia muito boa

    By Anonymous Anônimo, at 2:33 PM  

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