As muitas caras da Poesia

9.03.2006

E NOS PONTOS DE ÔNIBUS...


Acho que o ponto de ônibus que mais usei em Salvador foi o do largo do dois de julho, indo para o Campus da Graça. Em muitas dessas vezes, umas dessas maravilhosas loucas que perambulam pelas ruas ( não estou aqui falando do descaso social que não tem nada de maravilhoso e nem desconsiderando a barra que é perambular sem ter o que comer, por exemplo) ficava recitando sua história fragmentada, belo discurso modernista, ou sugestão simbólica. O fato é que em muitos dias o bonde demorava tanto que escutei alguns fragmentos, preenchi outros, e imaginei vários e surgiu o poema que estou postando:

DORES DE AMORES
Georgina, negra robusta,
conta a tua história que a mim muito custa

Do dia em que a vida
te colheu do berço,

com terços e velas
sem leite ou apego.

Das velhas ladeiras tortuosas,
com trouxas de sonho e roupas na cabeça,

os cantos escuros, nos braços mulatos
o corpo um braseiro - os dentes cerrados.

Em dia de quermesse,
Germano tão lindo!

São olhos e bocas,
as mãos em um baile,

Germano tão lindo!
me valha minha santa, me valha!

Mas são as palavras,
bichos indefesos longe da redoma...

barriga que cresce
a casa que muda

a mesma fome,
o amor na sacola!

Germano tão lindo!
por ele me acabo.

Só que esses amigos
(que não me interessam) me bolem, me bolem...

A mesma fome
e a criança retorna pro escuro.

São meses de choro,
e o corpo um braseiro

Germano tão lindo!
mulher só pra ele,

mas esses amigos
me sujam, me sujam.

O homem, meu homem
em mim não acredita.

E o corpo um braseiro
que vira braseiro...

E esses amigos,
se riem, se riem...

Germano tão lindo!
agora é do mundo.

Ajudem minha gente,
dinheiro pro café!

Que já os meus braços
são brancos como os cabelos...

Germano tão lindo!
mulher só pra ele

Nos pontos de ônibus
da praça da piedade,

dinheiro pro café!
que os olhos são brancos

e esses amigos,
já dormem, já dormem...

Germano canalha,
tão lindo, tão lindo!

A negra tão limpa,
tão louca, tão louca

Mulher só pra ele
e o corpo um braseiro

tão lindo, tão louca
agora é do mundo.

7 Comments:

  • "Nos seus braços sempre me esqueço de tempo, espaço e no fim
    Tudo é relativo..."
    Poxa, só porque eu disse q leio todos os seus posts vc não atualizou mais. =( To com saudade dos meus poemas, do meu poeta... bjs!!

    By Anonymous Anônimo, at 6:29 PM  

  • Serginho és impressionante!!!!!!!!
    lindo poema! amei!!!!!!!!!!!!!
    so que a mulherada se rasga aqui ne? rs
    é isso que da ta vendo?
    bjs

    By Anonymous Anônimo, at 7:42 PM  

  • Espetacular professor....

    By Anonymous Anônimo, at 8:59 PM  

  • muito lido esse seu poema...q talento!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

    By Anonymous Anônimo, at 12:03 PM  

  • oi MEU lindo... aqui quem esta postando e a sua morena...lindo poema...PARABENS

    By Anonymous Anônimo, at 12:08 PM  

  • "Há dores que não doem, nem na alma
    Mas que são dolorosas mais que as outras.
    Há angústias sonhadas mais reais
    Que as que a vida nos traz, há sensações
    Sentidas só com imaginá-las
    Que são mais nossas do que a própria vida.
    Há tanta coisa que, sem existir,
    Existe, existe demoradamente,
    E demoradamente é nossa e nós...
    Por sobre o verde turvo do amplo rio
    Os circunflexos brancos das gaivotas...
    Por sobre a alma o adejar inútil
    Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo". Fernando Pessoa
    Vc tá bem amor? bjs

    By Anonymous Anônimo, at 3:46 PM  

  • hum... esse me parece um poema mais social, to certa?
    Ate q vc e talentoso...!!!

    By Anonymous Anônimo, at 5:39 PM  

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