As muitas caras da Poesia

8.30.2006

ES- VERDE -ANDO O "BAIRRO"


ATENDENDO AOS PEDIDOS DE ALUNOS que sempre serão muito bem -vindos, ai está o "direto-poético" de CESÁRIO VERDE em seu BAIRRO MODERNO, não custa repetir que é apenas uma visão, que sempre pode ser enriquecida por comentários e lembrar que a cidade enquanto temática é uma tendência que se mostrará muito mais clara em BAUDELAIRE, por exemplo.
N'UM BAIRRO MODERNO

(A Manuel Ribeiro)

Dez horas da manhã; os transparentes
Matizam uma casa apalaçada;
Pelos jardins estancam-se os nascentes,
E fere a vista, com brancuras quentes,
A larga rua macadamizada.

Inicia-se o poema com uma das principais características da poética de Cesário: a descrição visual, positivista e responsável pelo seu apelido de POETA -PINTOR: Os vidros da casa, os jardins, com grande uso das cores que formam a impressão. Observe também o espaço urbano que vai continuar a ser descrito.

Rez-de-chaussée repousam sossegados,
Abriram-se, n'alguns, as persianas,
E d'um ou d'outro, em quartos estucados,
Ou entre a rama dos papéis pintados,
Reluzem, n'um almoço, as porcelanas.


Como é saudavel ter o seu aconchego,
E a sua vida fácil! Eu descia,
Sem muita pressa, para o meu emprego,
Aonde agora quase sempre chego
Com as tonturas d'uma apoplexia.

A descrição visual da casa burguesa continua: os quartos cheios, os papéis, as porcelanas prontas para o almoço e o fechamento que fala da vida fácil, confortável em oposição ao poeta que se dirige ao emprego e já acometido dos males da tuberculose , como por exemplo a apoplexia.

E rota, pequenina, azamafada,
Notei de costas uma rapariga,
Que no xadrez marmóreo d'uma escada,
Como um retalho de horta aglomerada,
Pousara, ajoelhando, a sua giga.

E eu, apesar do sol, examinei-a:
Pos-se de pé: ressoam-lhe os tamancos;
E abre-se-lhe o algodão azul da meia,
Se ela se curva, esguedelhada, feia,
E pendurando os seus bracinhos brancos.

Algumas características importantes além da descrição devem ser notadas nessas duas estrofes seguintes quando o eu-lírico que OBSERVA O DETALHE, vê a ambulante um exemplo claro de uma das formas de ver a mulher da cidade que tem o poeta: trabalhadora, admirável, mas feia, pobre, por vezes doente, capaz de um esforço sobre-humano. A atitude científica de EXAMINAR também deve ser observada, o que se vê é ocontrário da idealização romântica, seria a percepção do real.


Do patamar responde-lhe um criado:
«Se te convém, despacha; não converses.
Eu não dou mais.» E muito descançado,
Atira um cobre livido, oxidado,
Que vem bater nas faces d' uns alperces.

OBSERVE a relação entre as classes, apesar do enfocado ser um criado, ele representa o modo de pensar do patrão que trata com objetiva indiferença. A partir da estrofe seguinte teremos a transformação póetica, que é feita através da imaginação, mas seu processo é revelado o que mostra a tentativa de objetividade do eu-lírico, que deixa claro tratar-se de um momento devaneante com a frase :QUE VISÃO DE ARTISTA.

Subitamente,--que visão de artista!--
Se eu transformasse os simples vegetais,
Á luz do sol, o intenso colorista,
N'um ser humano que se mova e exista
Cheio de belas proporções carnais?!

Boiam aromas, fumos de cozinha;
Com o cabaz às costas, e vergando,
Sobem padeiros, claros de farinha;
E às portas, uma ou outra campainha
Toca, frenética, de vez em quando.
PERCEBA que a descrição continua, sempre chei de cores e luz; a noção de criação ligada a BELEZA, os trabalhadores ligados ao esforço físico

E eu recompunha, por anatomia,
Um novo corpo orgânico, aos bocados.
Achava os tons e as formas. Descobria
Uma cabeça n'uma melancia,
E n'uns repolhos seios injetados.

As azeitonas, que nos dão o azeite,
Negras e unidas, entre verdes folhos,
São tranças d'um cabelo que se ajeite;
E os nabos--ossos nus, da cor do leite,
E os cachos d'uvas--os rosários d'olhos.

Há colos, ombros, bocas, um semblante
Nas posições de certos frutos. E entre
As hortaliças, túmido, fragrante,
Como d'alguém que tudo aquilo jante,
Surge um melão, que me lembrou um ventre.

E, como um feto, enfim, que se dilate,
Vi nos legumes carnes tentadoras,
Sangue na jinja vívida, escarlate,
Bons corações pulsando no tomate
E dedos hirtos, rubros, nas cenouras.
A descrição é bem detalhada e sensorial – tudo chega ao poeta através da visão , do olfato. Um traço sensualista é impossível de ser negado, os túmidos, o ventre, os seios..

O sol dourava o céu. E a regateira,
Como vendera a sua fresca alface
E dera o ramo de hortelã que cheira,
Voltando-se, gritou-me prazenteira:
«Não passa mais ninguem!... Se me ajudasse?!...»
A admiração do eu-lírico pela classe trabalhadora, na qual se inclui é patente, mas considera natural seu esforço, determinado pelo meio.


Eu acerquei-me d'ela, sem desprezo;
E, pelas duas asas a quebrar,
Nós levantamos todo aquele peso
Que ao chão de pedra resistia preso,
Com um enorme esforço muscular.

«Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!»
E recebi, naquela despedida,
As forças, a alegria, a plenitude,
Que brotam d'um excesso de virtude
Ou d'uma digestão desconhecida.
NOVAMENTE a admiração que nos permite dizer que a ambulante, a vendeira aparece antiteticamente exposta: feia, mal vestida, mas cercada de uma luz de virtude, alegria, força. Quase a mesma ingenuidade que Cesário só acha possível na mulher do campo que marca a sua infância.A partir da próxima estrofe o poema encaminha-se para o fim, é um novo movimento que surge.

E enquanto sigo para o lado oposto,
E ao longe rodam umas carruagens,
A pobre afasta-se, ao calor de agosto,
Descolorida nas maçãs do rosto,
E sem quadris na saia de ramagens.

Um pequerrucho rega a trepadeira
D'uma janela azul; e, com o ralo
Do regador, parece que joeira
Ou que borrifa estrelas; e a poeira
Que eleva nuvens alvas a incensá-lo.

Chegam do gigo emanações sadias,
Ouço um canário--que infantil chilrada!--
Lidam ménages entre as gelosias,
E o sol estende, pelas frontarias,
Seus raios de laranja destilada.

A VIDA volta ao “normal”, depois da “visão de artista”: o eu-lírico segue para o trabalho, descrevendo visualmente o ambiente (como é comum); O detalhe prosaico volta a fazer parte do poema – Uma criança brinca regando a planta. É exatamente a ocorrência desses detalhes prosaicos que fazem de Cesário um poeta que retrata o COTIDIANO da cidade.

E pitoresca e audaz, na sua chita,
O peito erguido, os pulsos nas ilhargas,
D'uma desgraça alegre que me incita,
Ela apregôa, magra, enfezadita,
As suas couves repolhudas, largas.

E como as grossas pernas d'um gigante,
Sem tronco, mas atléticas, inteiras,
Carregam sobre a pobre caminhante,
Sobre a verdura rústica, abundante,
Duas frugais abóboras carneiras.

A luz que cerca a trabalhadora reforça visão antitética: audaz x de chita; o peito erguido x desgraça (alegre, mas desgraça). O fecho abusurdamente objetivo e real quebra qualquer possível visão idealizada de uma pobre sofredora, NÃO é o que ocorre, temos uma cena, uma visão de câmera que se perde na paisagem.

8.28.2006

ANTES DO CESÁRIO...


Eu prometi, eu e minhas promessas, pra galera do segundo ano que iria postar e comentar um dos principais poemas de Cesário Verde, e sua mais destacada característica do cotidiano, acho que amanhã sai, mas aproveito pra colocar um poema meu que também apresenta essa base real, uma noite real, palavras recriadas, gosto dele, mas sempre bate a sensação, ou a situação que fixa a imagem como diz Alfredo BOSI em seu O SER E O TEMPO NA POESIA, chega de teoria, vamos ao LABIRINTO

- Olhe,
(eu olho fundo em teus
olhos e percebo-o um túnel)
o importante mesmo é
conservar a porta aberta,
-Mas assim você está deixando
tudo para eu resolver
(eu vejo o túnel, ficando pequeno
quase me sufocando)
-Não é bem assim...
-Claro que é, eu que fique
e me vire
_ eu não queria ir
_ então não vá,
-Mas é preciso,
- O que você quer que eu faça?
(Pensei em dizer: venha comigo!Mas
não existe mais túnel, não tenho
certeza se estou só)
-Que não mate as possibilidades.
-Mas se você for não há possibilidades
pra matar.
-Você tá sendo trágica.
-E você simplificando demais os termos.
-É só uma questão de tempo...
-E sentimento, e sol, e gente, é tudo...
(meus argumentos estão acabando,
não tenho certeza se o que proponho
é o certo, aliás não tenho mais certeza
de nada)
-Talvez esteja pedindo muito a você...
(abrem-se então todos os túneis, não as saídas,
eles crescem, tornam-se absolutos)
.....................................................
E vem o silêncio, imenso
necessário. E eu sinto frio,
E pego o ônibus,
E lavarei meu rosto de madrugada.

8.24.2006

LEMBRANÇAS DA BAHIA


Havia um tempo em que eu me perdia das aulas e passava horas em bibliotecas, na sete de setembro, perto do Sulacap, escrevendo e lendo, antes de ir andar na lagoa do abaeté, mesmo longe. Achei alguns desses escritos, são fragmentos de narrativas, nunca completadas, na verdade, é mais um MOTE ou simples anotações que nunca viraram poemas, ou que sabe já são e eu nem percebi. ai estão alguns desses trechos - os que cabiam em uma página -

TRECHO I
O país foi tomados por seitas indianas e foi decretado o dia de jejum e silêncio absolutos - garantido a custa de repressão - Uma pessoa totalmente desorientada perambula pelas ruas, tenta desesperadamente (sem saber direito porque) um forma de romper esta ordem, mas percebe ( a princípio) que está só...


TRECHO II
UM ex-pracinha, suas lembranças, seus medos ao ver seus companheiros diminuirem a cada ano e não conseguirem mais participar do que considera o auge de sua vida: o 7 de setembro...

TRECHO III
A areia da praia já se confundia com seus cabelos e o meu nome era doce em sua boca. Todos olhavam e ouviam suas declarações, e eu - o alvo perfeito - sem saber o que fazer, apenas tentava cantar pela boca do violão...

TRECHO IV
UM grafitti persegue o homem, por toda a parte, em diversas situações. Com o tempo ele começa a pichar todas as paredes com a inscrição que lhe persegue (no fundo desenrola-se a história)...

TRECHO V
A mancha do caju só sai das roupas quando termina a sua safra.Vai apagando aos poucos feito paixão terminada...

TRECHO VI
Aquele homem sempre dorme na biblioteca. Ontem do ângulo que olhei, pareceu-me que estava concentrado na leitura, talvez fuja do trabalho e vá sonhar um pouco, publicamente...

8.22.2006

...E A PROMESSA DO CADEIRA!


Ainda bem que quase sempre cumpro minhas promessas, aí está o comentário do CADEIRA,é apenas um dos possíveis e obviamente não substitui a leitura do conto, o objetivo é ajudar, qualquer dúvida, comente, a colaboração de amigos é sempre um prazer. Apesar da tentação, é melhor ler de pé...


CADEIRA

O conto CADEIRA de José Saramago é o que abre seu livro Objecto Quase, conta – guardando-se as devidas proporções de uma ficção e sua trama alegórica – a queda acidental do ditador Salazar de uma cadeira, fato ocorrido em 1968 e que foi (devido a impossibilidades cerebrais causadas pelo baque) a responsável pela Queda dele do governo e posterior morte em 1970.
A narrativa contém várias citações históricas e profundamente irônicas que mostram a posição do narrador quanto a ditadura, parece óbvia a importância de saber que Portugal também passou por uma experiência de governo ditadorial. Ela ocorreu em 1928, quando Salazar foi convidado para organizar as finanças de República Portuguesa instalada em 1910. Salazar desenvolveu uma política apoiada no exército e na Igreja, e tinha por princípio defender "a civilização cristã" dos males da época: comunismo, internacionalismo, socialismo, etc.
A organização do Estado Novo, em 1933, seguiu as tendências fascistas: defendia o corporativismo, combatia a democracia e a atividade parlamentar.
O trabalho com a linguagem – que faz do conto uma verdadeira discussão da pluralidade da significação; a alegoria e a visão focal do narrador que convida o leitor a participar do momento exato da queda devem ser considerados na leitura.
O foco inicial é a CADEIRA, seu desabamento, sua madeira acessível ao inseto que a deteriorou por gerações, a perfeição de sua queda que acaba causando a QUEDA da ditadura, ou seja, a influência do objeto nos destinos humanos, mais especificamente nos destinos de Portugal. O que faz com que consideremos a faceta histórica do conto.
A linguagem, com traços barrocos, usada por Saramago permite-se o Ludismo, as digressões quanto as sinonímias e outros recursos de estilo, que não fazem a história “andar”, mas embelezam a sua construção, tudo partindo da significação de desabamento:
A cadeira começou a cair, a ir abaixo, a tombar, mas não, no rigor do termo, a desabar. Em sentido estrito, desabar significa caírem as abas. Ora, de uma cadeira não se dirá que tem abas, e se as tiver, por exemplo, uns apoios laterais para os braços, dir-se-á que estão caindo os braços da cadeira e não que desabam.
Ainda na brincadeira do estilo o narrador aproveita para mostrar sua rejeição, que vai ser amplamente destacada, ao velho ditador:
Desabe, sim, quem nesta cadeira se sentou, ou já não sentado está, mas caíndo, como é o caso, e o estilo aproveitará da variedade das palavras, que afinal, nunca dizem o mesmo, por mais que se queira.
Logo depois discute o tipo de madeira que teria servido para confeccionar o objeto, aproveitando para criticar a dizimação expansionista, uma das bandeiras da ditadura de Salazar:

Qualquer árvore poderá ter servido, excepto o pinho por ter esgotado as virtudes nas naus da Índia e ser hoje ordinário, a cerejeira por empenar facilmente (...) Seja pois o mogno e não se fale mais no assunto. A não ser para acrescentar quanto é agradável e repousante, depois de bem sentados...

Em um segundo momento, bastante destacado, será a vez de mostrar o gênero do coleóptero que por gerações irá deteriorando a cadeira e porque não o trono, ou ainda,a ditadura. O narrador fará várias associações dele com heróis do povo, coincidentemente, mas nada é coincidência, heróis do oeste americano, como por exemplo Buck Jones. Mas a principal associação é com o “nobre povo luso”, citado até no hino do país:

Em algum lugar foi, se é consentida esta tautologia. Em algum lugar foi que o coleóptero, pertencesse ele ao gênero Hilotrupes ou Anobium ou outro (nenhum entomologista fez peritagem e identificação), se introduziu naquela ou noutra qualquer parte da cadeira, de qual parte depois viajou, roendo, comendo e evacuando, abrindo galerias ao longo dos veios mais macios, até ao sítio ideal de fractura, quantos anos depois não se sabe, ficando porém acautelado, considerando a brevidade da vida dos coleópteros, que muitas terão sido as gerações que se alimentaram deste mogno até o dia da glória, nobre povo, nação valente.

O caminho do Anobium nos veios da madeira é comparado, por isso a importância de saber que é uma representação, uma alegoria, a construção das pirâmides como túmulos dos faráos, parece, portanto pertinente, que você veja, a alusão a morte, ao fim da ditadura e a irônia com que o narrador trata o ditador que se acha um rei.

Não estranhemos portanto que esta pirâmide chamada cadeira recuse uma vez e outras vezes o seu destino funerário e pelo contrário todo o tempo da sua queda venha a ser uma forma de despedida..
A ironia do narrador também se manifesta quando usa os principios ditatorais de Salazar como a religião e a neutralidade nos conflitos para se eximir de culpa de saber da queda e não fazer nada para evitá-la:
Enquanto vemos a cadeira cair, seria impossível não estarmos nós recebendo esta graça, pois espectadores da queda nada fazemos nem vamos fazer para a deter e assistimos juntos.
Depois de todas as associações do Anobium com heróis populares que derrotam os bandidos e se aconchegam nos braços da amada, inicia-se o momento da queda, detalhadamente descrito, quadro a quadro, com direito a parada para reflexões, observe também o tratamento irônico dado ao ditador:
Também agora se sentou este homem velho que primeiro saiu de uma sala e a travessou outra, depois seguiu por um corredor que poderia ser a coxia do cinema, mas não é, é uma dependência da casa, não diremos sua, mas apenas a casa em que vive, ou está vivendo, toda ela portanto não sua, mas sua dependência.
Mais um pouco do quadro a quadro, sempre irônico apontando os erros do governante:
Vê-a de longe o velho que se aproxima e cada vez mais de perto a vê, se é que a vê (...) e esse é que é o seu erro, sempre o foi, não reparar nas cadeiras em que se senta por supor que todas são de poder (...) O velho pensa que irá descansar digamos meia hora (...) que certamente não terá paciência de ler os papéis que traz na mão.
Mais detalhes e o comportamento de neutralidade do narrador que é estimulado para que seja também do leitor:
Ainda não se recostou. O seu peso, mais um grama menos um grama (...) mais vai mexer-se, mexeu-se, recostou-se no espaldar, pendeu mesmo um quase nada para o lado frágil da cadeira. E ela parte-se (...) podemos até exercitar o sadismo de que, como o médico e o louco,temos felizmente um pouco, de uma forma, digamos já, passiva, só de quem vê e não conhece ou in limine rejeita obrigações sequer só humanitárias de acudir. A este velho não.
O trecho a seguir mostra uma comparação em que fica muito clara a postura de rejeição do narrador em relação a ditadura e seu efetivador:
Deixemos porém este pó que não é sequer enxofre, e que bem ajudaria o cenário se o fosse, ardendo com aquela chama azulada e soltando aquele seu malcheiroso ácido sulfuroso(...) Seria uma ótima maneira de o inferno aparecer assi como tal, enquanto a cadeira de belzebu se parte e cai para trás arrastando consigo satanás, asmodeu e legião.
A queda se consuma e teremos então os comentários sobre a ajuda que virá, mas principalmente a comemoração de um desejo realizado:
Cai, velho, cai. Repara que neste momento tens os pés mais altos do que a cabeça (...)A cabeça como estava previsto e cumpre as leis da física, bateu e ressaltou um pouco, digamos, uma vez que estamos perto e outras meditações tínhamos acabado de fazer, dois centímetros para cima e para o lado. Daqui para a diante, a cadeira já não importa.

As comparações com a história de Portugal continuam: a morte do Conde de Andeiro e Leonor Teles assumindo como rainha, será essa a reação da esposa? Na história real, Salazar não morre, mas fica incapacitado a ponto de nos dois anos que lhe restarão de vida acreditar ainda estar no poder. O narrador continua a usar um recurso que mostra sua onisciência e onipresença, ele está lá e o leitor na “esteira”, tem o domínio até do tempo um dos elementos da história.
Este velho não está morto. Desmaiou apenas, e nós podemos sentar-nos no chão, de pernas cruzadas, sem nenhuma pressa, porque um segundo é um século, e antes que aí cheguem os médicos e os maqueiros, e as hienas de calça de lista, chorando, uma eternidade se passará.
O corte é pequeno, quase imperceptível, mas houve ruptura nos vasos interiores, a morte já pode entrar como outro coleóptero a consumar a queda:
Uma ligeiríssima equimose, como de unha impaciente, que a raiz do cabelo quase esconde, não parece que por aqui a morte possa entrar. Em verdade, já lá está dentro. Que é isto? Iremos nós apiedar-nos do inimigo vencido?
A ajuda chega, a fisiologia do baque é descrita, o narrador assume uma posição imparcial ou pelo menos indiferente ao terminar o conto, mas o tempo que virá é o novo e não apenas uma referência ao clima.
Já se ouvem passos no corredor(...) Sobre outra superfície, a do córtice, acumula-se o sangue derramado pelos vasos que a pancada seccionou naquele ponto preciso da queda(...) É lá que nesse momento se encontra o Anobium, preparado para o segundo turno(...) Vamos até a janela. Que me diz a este mês de Setembro? Há muito tempo que não tínhamos um tempo assim.

8.20.2006

ESPERANDO CADEIRA...



O comentário de CADEIRA do Saramago tá no forno, logo sai, como me pediram, enquanto não podemos "sentar" ou desabar, como diz o narrador, vou postar um poema feito em SAMPA, mas que ganhou recentemente nova significação. O bom da poesia, o que Jauss chama de recepção, a atualização de seu significado, ou melhor ainda, novas pessoas que fazem ter sentido o que já se disse, não é um eco, é um novo grito.

As noites têm sido frias
e tenho precisado de tua lembrança
para me aquecer.
Não tenho podido tomar banho nos lagos,
e o amor é agora aquele olho vago
A doer...

Não é engraçado?
Antigamente o teu amor
era algo tão pesado,
Que eu o via no ar
como vejo o de São Paulo.
Só que agora nos despimos no Ibirapuera
e rolamos na grama gelada.

- O que me impressiona no Amor
É este giro de trezentos e sessenta graus que ele dá
E continua sendo o mesmo.

8.15.2006

POEMA MATERNAL, VOTAÇÃO DE RESUMO...

Ontem, a propósito da estréia do Blog, divulguei em meu nick de msn, como conversei com algumas pessoas recebi elogios e críticas. A famosa validade de um meio de comunicação como a net para a "intelectualidade", e a veia narcisista do artista em sua necessidade de aparecer. Do artista ou do humano? claro em um sentido muito mais amplo de aparecimento. Lembrei de quando lecionei uma materia na universidade chamada de Fundamentos da Teoria Literária e que parte do programa discutia os suportes para os primeiros textos escritos, até na conhecida Paidéia de Jaeger há referência a eles. O que é um blog, senão um suporte da era tecnológica? Hoje na aula do feriado, alguns alunos propuseram leituras obrigatórias que gostariam que eu comentasse aqui, estou para fazer um enquete, mas se você conhecer alguma bela análise, resumo, pode mandar ver, terei prazer em publicar. Já deve ter batido uma grande dúvida em porque intitulei a postagem de poema maternal, não? Na verdade, encontrei em meus guardados, hoje expostos, um poema sem nome, sem data, sei que é meu pela letra e só descobri a "musa" no fim, vou dividi-lo com vocês. Agora configurei e todos podem comentar.

Tardes existem,
nas quais passeio em meus corredores
(imensos corredores cheios de retratos)
e me surpeendo a decorar teus traços,
a regar tuas folhas,
a ninar teu coração...

Ah! teu coração,
quantas formas e tamanhos teria,
Quantos mares e sonhos
Que eu ouvia, escondido
-entre teus braços -

Quase perco tuas fitas de cabelo.
Vivem a confundir-se entre meus livros,
meus medos,
meus gritos.

Jamais me perdoaria!

Certa vez, subindo a rua
dei de cara com tua flor predileta
(Conheço-a tanto, sei seu cheiro,
sua simetria, trago-a aqui dentro
em meus jardins)

Tardes existem,
em que meus oceanos são tão calmos,
que me perco a banhar-me
indo ao teu encontro,
que me perco a banhar-me
e suave desponto,
dentro de teus olhos,
junto aos teus olhos
minha mãe ( acho que até poderia ser trocado por AMOR, para impressionar as namoradas, as suas é claro, mas o original é assim)

8.14.2006

AGORA VAI O BELÉM!



CONSEGUI, com a ajuda da Taia, e aqui já vai o agradecimento. É apenas um resumo, que como é dito sempre,jamais substituirá a leitura, ainda mais de Dalcídio, que é poder, mas pode ajudar. A analise é básica e, claro, apenas uma dentre as muitas possíveis, seu comentário enriquecerá, será um prazer respondê-lo.



GUIA DE LEITURA PARA O LIVRO BELÉM DO GRÃO PARÁ.

1.PRINCIPAIS PERSONAGENS:

ALFREDO, menino introvertido e fantasioso que serve de fio condutor para 09 das dez obras que compõe o ciclo do extremo norte ( A única em que não aparece é MARAJÓ, segundo obra do ciclo).No livro,quarto do ciclo, Alfredo chega a Belém para estudar, o que sempre foi seu grande desejo, mas não nas condições em que imaginava, vem para o seio de uma família decadente, em uma cidade que não vive mais seus dias áureos (da borracha). É esmagado pela cidade, que em todos os momentos mostra a sua condição de interiorano, ou como diz Dalcídio de “Tio-Bimba”.
OS ALCÂNTARAS, família que acolhe Alfredo mediante uma pequena mesada, estão em ruínas após a decadência de Antônio Lemos e como prova disso moram na baixa da Gentil. É uma família composta por três membros, gordos após a pobreza, o que pode demonstar o relaxamento ou a falsidade das coisas: D. Inácia, a madrinha-mãe, é irônica e já foi muito atraente. Teve uma relação muito próxima a Lemos, culpa o marido de não ter atitude, não arriscar, aposta em Alfredo como “Homem” que poderá mudar a situação; seu Virgílio, homem acomodado, honesto e vive a dúvida de ter ou não ter sido traído pela mulher com o governador Lemos, garante um modesto emprego na alfândega depois da queda do governador, acaba se corrompendo ao final da história.Emília,a filha, que não consegue casar e tem uma amizade atribulada com Isaura, costureira, prima de Alfredo. Ao final fica noiva de um advogado, de feia aparência e viúvo, mas o casamento não ocorre.
LIBÂNIA, a empregada, faz tudo da família alcântara, é uma cabocla, mas que já tem um certo domínio da cidade e acaba apresentando-a para Alfredo, desperta no menino e também em Virgílio o desejo, mas é pura, também não escapa do clima de ruína que impregna todos, inclusive a cidade.

2.O LIVRO:

Belém do Grão Pará tem suas dificuldades, uma delas é a extensão: são 43 capítulos de uma ação que ora ocorre externamente, com muitas descrições, que lembra muito o estilo Realista e outras questões internas, conflitos pessoais que misturam a voz do narrador com o personagem, criando uma nova estrutura narrativa, típica do modernismo.
Há muitas formas de se enfocar o romance: a histórica que vê a Belém de 1920, apesar do livro ter sido lançado em 1960, logo após a queda do Lemismo, da ruína da belle-époque, da perda do poder da borracha; a psicológica com os conflitos de cada um: Alfredo e sua vontade de ser mais do que sua condição de cabloco-mestiço; seu Virgílio e sua incerteza quanto ao comportamento da esposa. A filosófica, toda vez que se discute a essência e a aparência, no entanto a que costura todas é a literária e sua coerência interna que pode até ter um referente, maso ultrapassa.
O enredo é simples e começa com a chegada de Alfredo a Belém para estudar, acaba indo para o colégio Barão do Rio Branco e enfrentando junto com os Alcântaras todas as decepções e os desejos de parecer algo que já não são, vários pequenos, mas não menores conflitos, como o despertar do desejo por Libânia até a mudança para a casa na estrada de Nazaré, casa literalmente em ruínas e acaba caindo, aos pedaços, no final da obra.

1 A família Alcântara já está na baixa da gentil, na casa de número 160, de aluguel barato e com costumes diferentes da época do Lemismo.Vê-se a ironia de D. Inácia, o fato de estarem gordos e a negociação de D. Amélia, mãe de Alfredo, para que este viesse morar com os Alcântaras.A negociação é feita com a mediação de Isaura, a costureira, prima de D. Amélia e amiga de Emília. As referencias ao período do lemismo e as ironias de D. Inácia, são impagáveis. O piano isolado, calado, destoante da pobre mobília, também deve ser notado.

2 Ainda na casa dos Alcântaras, chegam, as Veigas, tias de Emília, continuam as ironias de D. Inácia, e sua opinião quanto a condição feminina de passividade, o homem seria canalha que trazia a vara do Diabo entre pernas. O capítulo enfoca a visão de Emília sobre o que ocorre.

3 Mostra a chegada de Alfredo em Belém vindo de Cachoeira do Arari no barco “São Pedro”, é óbvio que ocorre uma passagem de tempo entre o capítulo um e o três já que o menino chega com a mãe (que no UM negociava a vinda). É recheado de fatos que mostram a cidade “engolindo” o garoto e mostrando o seu lugar de interiorano: observe o episódio do necrotério, do salão de beleza, a louca embriagada, da senhora recebendo uma menina para empregada e principalmente o deslumbramento de Alfredo diante da cidade.

4 O quarto capítulo enfoca a visita que Alfredo faz junto com D. Amélia ao seu padrinho Barbosa, que só não acolheu Alfredo por que está em ruína (também), era um comerciante, aviador que, como tudo em Belém, vivia dos lucros da borracha. Tudo em sua casa lembra a decadência – observe os símbolos desde o ganso até o estado de saúde do padrinho.

5 Na página 105, da atual edição, publicada pela Editora universitária da Ufpa, vê-se principalmente o sentimento de solidão de Alfredo, ao ser deixado sozinho pela mãe em Belém, “Partia bem penteada, penteada pela Isaura. No mesmo traje chegava e ia. Ia.”
A fantasia que caracteriza o menino desde seu aparecimento em Chove nos campos de Cachoeira, toma conta do capítulo e ele tenta se ocupar em estudar para o teste de admissão.

6 O sexto capítulo continua a luta que travam dentro do menino Belém e Cachoeira, a realidade e a fantasia “a luta entre Cachoeira e Belém lhe aumentava a solidão”.Os barulhos, o ar da cidade começavam a se impor e a fantasia a se romper.

7 O sétimo capítulo é bem pequeno e mostra o contato de Alfredo com Valmira, moça branca, esguia, aloirada que emprestava o jornal para Emília.
8 A partir deste momento parece haver uma alternância entre capítulos muito pequenos e grandes: o oitavo é muito pequeno, o nono extenso, o décimo pequeno e para frente ocorre o eqüilíbrio. Especificamente no oitavo Alfredo é levado por Emília para prestar o exame no colégio Barão do Rio Branco, acaba passando e vai o cursar o terceiro ano.

9 Após ganhar o quadro de honra no colégio (prova de que estudava tanto quanto você), Alfredo é mandado a rua com Libânia, que de certa forma presenteia-o com um passeio pela cidade: largo da pólvora, ver- o – peso. É o primeiro contato que ele tem com a cidade mediado por uma “igual”, apesar de estar em situação menos favorecida que Alfredo, Libânia demonstra conhecimento do local e um certo domínio que falta ao menino. O conhecimento de Alfredo da cidade era apenas teórico, vinha dos manuais de seu pai, Major Alberto. Observe a prosa poética com que Dalcídio descreve a cidade.

VOU INTERROMPER PARA FALAR UM POUCO DE DALCÍDIO




Traços Biográficos

Dalcídio Jurandir nasceu em Ponta de Pedras em janeiro de 1909, mas mudou-se muito cedo para Cachoeira do Arari.
Em 29 escreve a primeira versão de CHOVE NOS CAMPOS DE CACHOEIRA, primeiro dos dez livros que compõe o ciclo do extremo norte e muda-se para o Rio de Janeiro após ter ganho o primeiro e o terceiro lugares em concurso de romances e 1940.
Publica em 1941 o “CHOVE...” e em 1960, Belém do Grão Pará, quarto livro do ciclo, que tem o menino Alfredo como fio condutor. Há personagens que são citados em Belém do grão Pará mas que aparecem efetivamente em romances anteriores como Mariinha,irmão mais nova e já morta de Alfredo, Andrezza, primeira “namorada”, ou despertar do desejo no menino, que aparece em Três casas e um rio e algumas preocupações de Alfredo que só são melhor esclarecidas se houvesse a possibilidade de ler outros romances do ciclo, como por exemplo o alcoolismo de sua mãe D. Amélia.
Muitos teóricos enveredam pelo enquadramento de Dalcídio como pertencente a fase regionalista do modernismo nacional, a pesquisa da linguagem, semelhante a Guimarães Rosa, as descrições detalhadas, sem perder a universalidade temática.
Dalcídio é mais, é um criador de realidades, como todo bom escritor, sua obra tem muitas facetas, mas todas elas poéticas e intimistas.

10 Começa com uma rara ceia na casa dos Alcântaras, passa por referências ao momento histórico como a campanha de Nilo e Seabra, O desejo de Emília de sair da baixa da Gentil e Alfredo solitário na sala como e como o piano, volta para sua fantasia.

11 A frase inicial sintetiza o capítulo: “Tempo de tão singulares mudanças em Alfredo” - o andar sozinho pela cidade até o colégio, a primeira ida ao cinema (o ODEON, antigo nome de um dos cinemas em Nazaré), sempre o esforço para não parecer deslumbrado diante dos outros, o dia – a – dia, as pessoas, os lugares. Um fato interessante é o encontro com João Rangel um cachoeirense, pávulo golquíper de fama em cachoeira e através dele a entrada no sobrado da esquina da Conselheiro com a Quintino, o que mais interessa ai é seu defrontamento com a riqueza e que aponta o seu lugar, até o som de um piano em um dos sobrados contrapõem-se a mudez do piano da Gentil.

12 Inicia-se com Alfredo estampando outro “quadro de Honra”, o primeiro ele enviou para Andreza. Mostra a amizade do menino com Lamarão, colega rico que reforça o lugar de Alfredo na cidade,dependende de uma pequena mesada, vivendo de favor. Os Alcântaras e Alfredo vão a um aniversário que serve para realçar os costumes de Alfredo e o contraste entre um mundo com e sem etiqueta.Na vola pra casa o menino anda pelos trilhos simbolizando uma viagem fantasiosa.


13 É um domingo, Alfredo vai com seu Vírgilio ao Ver-o-Peso, fazer as compras para o almoço, é um modo diferente de ver a cidade, ele acaba carregando as compras, mas uma demostração de seu lugar. Alfredo imagina comparações entre o talento de sua mãe(Amélia) e D. Inácia na arte de cozinhar, isso é dito de maneira bem poética. Uma das passagem mais marcantes é o banho de cheiro de D. Inácia que resgata um sensualismo(perdido?) da época do Lemismo.

14 Um imenso capítulo, tomado em parte por uma carta de Andreza, que agora está totalmente só no mundo, pois perde seu tio. A carta é em uma linguagem fragmentada, fala de muitas coisas, mentiras e verdades, deixza Alfredo saudoso, briga com Emília que queria ler a carta. Há uma cobrança da mulher (Esmeralda) de seu agostinho da vacaria, que estaria se interessando por Emília. É a noite das insônias: Emília – chorosa pelo destrato; Alfredo – que vai até o quarto de Libânia observá-la; D. Inácia que quer saber de Alfredo o motivo do choro de Emília.
Emília, depois da decepção com seu Agostinho, consegue um convite para os baile dos cadetes na AP e precisa explorar Isaura mais uma vez para conseguir um vestido (é impossível não ver a brincadeira do gordo e o magro feita pelo autor). Há o contato de Alfredo com a família de sua mãe, os primos que moram espremidos no 72 da Rui Barbosa: ouve-se a história de mãe Ciana e seu Lício, de Magá – a tacacazeira, a melhor das cozinheiras de tartaruga, é importante olhar o lugar verdadeiro de Alfredo que muitas vezes é negado inconscientemente por ele, até porque é o lugar da mistura.Termina com Emília voltando sozinha e decepcionada do baile.

15 Começa com discussões na casa dos Alcântaras: uma blusa nova para Isaura; a política, vitória de Nilo-Seabra. É desvendada mais uma exploração das Alcântaras para com Isaura: a ida ao cinema Olímpia às custas da costureira, ir ao cinema era uma acontecimento social.Alfredo sai mais uma vez com Libânia e de novo o conflito que marca a busca de seu lugar aparece “Ela por sua parte, sabia guardar distância mais por respeito ao estudante que ao caboquinho, seu igual, ou até mais abaixo dela por ser filho de uma preta...”. Neste capítulo é planejado o roubo do Antônio, serviçal da casa de Etelvina, noiva do chefe dos bandoleiros do Guamá.No passeio até a casa da bordadeira nota-se mais um momento de melancolia de Alfredo, decepcionado com a cidade e com saudade de sua fantasia “Andava naqueles dias mais insatisfeito com o estudo, saudoso do carocinho”. Um fato para o qual você deve estar atento é que em Belém as diferenças sociais são mais acentuadas que no interior.Outro momento importantíssimo é a ida ao BOSQUE, há uma certa decepção, e Libânia desencontra-se dele.

16 O início mostra a empolgação de D. Inácia com as revoltas (roceiros do Guamá- que não é nome de quadrilha junina; conspiração dos quartéis) não pelos objetivos, mas sim pelo admiração ao arrojo do HOMEM, parte da personalidade masculina adorada por D. Inácia era o "Arriscar-se".O posicionamento de D. Inácia contrasta com o medo de Seu Vírgilio e Alfredo presencia a discussão.
Como toda discussão entre os dois, volta-se para o Lemismo e seu Vírgilio à velha dúvida da traição.
Um ponto interessante é que a conversa sobre assuntos tão "grandiosos" é misturada com a atividade cotidiana de fazer o jantar o que mostra verdadeira situação de Inácia.

17 É um capítulo dedicado as dúvidas de seu Vírgilio,indo para seu trabalho na alfândega, teria havido uma traição no lemismo? ele se sujeitara pelo dinheiro? o crime estava prescrito? Belém com Lemos teria progredido, mas para Virgílio seria uma dor ou melhor uma dúvida.

18 É um pequeno capítulo que retrata a comemoração do aniversário de Isaura no 72 da Rui Barbosa. É um dos poucos momentos que vemos a costureira feliz. Nota-se a sutil discusão sobre o preconceito social e de cor. e termina com a chegada de Libânia "arrumada e descalça", mostrando o "degrau" social que ocupa.

19 Da página 227 até a 244, mostra em grande parte pensamentos de Alfredo. Indo para o cinema Olímpia: "por que Libânia não vai; por que Isaura não fica com os ingressos; os músicos da sala de espera tocam profissionalmente , mas sem vontade. Enquanto esperavam Isaura, atrasada e mal vestida, D. Inácia (depois de ironizar) conversa com o desembargador. Na chegada da costureira nota-se um desfile da "sociedade, a alta" e suas hipocrisias: as mulheres "honradas" e as "amantes" , principalmente a "favorita" do Dr. Pennafort. Na volta pra casa ocorre a costumeira briga entre Isaura /Amélia. Fala-se do esconderijo do "bandoleiro" noivo da Etelvina, ao chegarem no 160. rapidamente aborda-se os conflitos de seu Virgílio que espera acordado:a possível traição da mulher; a proposta de contrabando na alfândega; a atração por Libânia.

20 É o capítulo da virada: Emília começa a planejar a mudança para a estada de Nazaré. As descrições são muito importantes. a identificação com Belém dos anos 20 também "Sim, na Estrada de Nazaré, entre a Benjamin Constant e quase-quase à esquina da Doutor Moraes..." . As três janelas da casa em ruína voltarão a ser citadas no último capítulo. Emília divide primeiramente o segredo da casa com Alfredo que a princípio não quer mudar, vê isso como uma distância ainda maior de sua cidade. A definição das chaves é feita junto com Isaura.

21 É um longo capítulo que começa com a ida de Isaura e Emília até a casa da estrada de Nazaré para tentar abri-la inutilmente até o rapto "caboclo-japonês" Antônio, retirado da vizinha do 160(gentil). Deve se destacar: a ironia de Isaura ao tentar abrir a casa e envergonhar propositadamente Emília; A visão da casa em ruína; o conflito interior de seu Virgílio (corrupção na alfândega, possível traição antiga da esposa); o rapto de Antônio, que também irá morar na Estrada de Nazaré e será responsável pela difusão dos mitos orais da cultura amazônica em suas histórias e "traquinagens".

22 Mostra o ajuste final do aluguel junto ao português que resistiu em aceitar. D. Inácia conversa com a vizinha ironicamente lamentando o roubo que ela mesma arquitetou, em outro momento comunica a seu Virgílio sobre a mudança, o "homem" está cada vez mais em conflito pessoal.Há também a conversa entre D. Inácia e a "noiva" -Etelvina que é levada até a casa onde está seu "noivo" o "bandoleiro" Jerônimo. Termina-se com a saudade invadindo o menino Alfredo.

23 É um sábado, dia da lavagem da casa e mais algums deboches sobre o estado em que ela se encontra. Ocorre a briga de Libânia com os portugueses (lavadores de casa) que a assediaram. "em três dias se esfregou, caiou e se deu pronta, pelo menos nas aparências, a casa número 34". Enfoca-se as mudanças que a mudança causaria em cada um deles.

24Inicia-se com a conversa entre Alfredo e Libânia sobre a fuga de Etelvina. O sábado posterior a lavagem é o dia da mudança, feita bem cedo para não revelar a situação econômica da família. O transporte do Piano merece destaque porque está vinculado a uma falsa situação social e Emília usa isso para impressionar. Alfredo termina se questionado sobre o real sentido da mudança: o jogo de mentiras e verdades.

25 A resistência de seu Vírgilio à corrupção (contrabando na alfândega) fica na gentil, os pensamentos sensuais em Libânia se intensificam. Não havia sustento para morarem na estrada de Nazaré, nem financeiro e nem moral. A inadequação social dissolve a família.

26 Um clima de íntima e sutil sedução cerca Alfredo e Libânia na última ida ao 160 vazio. Seu Virgílio tem certeza de que precisa se corromper, para morarem com tantas aparências.

27 O capítulo mostra um Alfredo que gazeta aula e acaba ganhando dinheiro fazendo um carreto, que mostra sua tomada de consciência de seu lugar social.Alfredo conversa com mãe Ciana e acaba dando a ela a moeda de dois mil reis para o fugitivo Jerônimo e confessa em parte à madrinha mãe o que fez no dia.

28 Curto capítulo que mostra D. Inácia perdida em recordações e negando esmola a um cego.

29 O capítulo inicia com a chegada da mesada de Alfredo e a notícia de Dolores, branca e antiga namorada de um tio negro do menino (Sebastião). Conta-se o caso de Sebastião e Dolores (o encontro na Igreja, a mistura de cores, os santos). Na volta para casa, Libânia vai dormir no quarto dos meninos, deita-se na rede de Alfredo, e inicia um jogo sutil de sedução que se repetirá quase todas as noites.

30 O momento dos doces: Alfredo é encarregado de ir buscar uma encomenda de doces para um casamento, mas acaba não resitindo e comendo muitos e tendo que rearranjar a bandeja para disfarçar. Ninguém desconfia dele na casa, o que aumenta a consciência pesada do garoto.

31 Vemos Alfredo tentando se livrar de suas ruínas, pensamentos melancólicos. Libânia recebe uma carta de um admirador que a cham de senhorita. O ritual a noite se repete: LIbânia para a Alcova, Antônio conta histórias populares ( a valorização da linguagem oral), a dormida de Libânia na rede junto de Alfredo. Seu Vírgilio insone e atormentado.

32 O capítulo mostra a comemoração do aniversário de Emília, apenas com a presença dos amigos e parentes de Isaura, ninguém da sociedade. Alfredo entra em contato com seu Lício, ex-marido de mãe Ciana, revolucionário e que está ajudando Jerônimo a fugir. É a primeira vez em que Libânia aparece calçada, presente dos irmãos de Isaura. A conversa entre Alfredo e Libânia domina o resto do texto.

33 Inicia-se com o fim da festa. Restam D. Inácia e Isaura conversando, Alfredo escuta na alcova, Antônio sonha. depois que tudo silencia, Libânia acorda e devaneia sobre sua situação, acorda Alfredo e retomam a conversa, quase são surpreendidos por seu Virgílio quando Libânia está na rede.

34 Mostra a saída de seu Lício do aniversário ao porto do Sal, bebido e preocupado com a fuga do "noivo", lembra como conheceu mãe Ciana: os cuidados dela para com ele; o início do namoro. Seu Lício combina com o barqueiro do "São Benedito" a fuga do bandoleiro e sua noiva na noite da transladação.

35 Na preparação para o Círio, seu Virgílio está pronto para colaborar no contrabando. Era o primeiro Círio de Alfredo na capital e ele aproveita junto com Libânia e Antônio.
O capítulo enfatiza mesmo a queda de seu Virgílio "o arpão da suspeita entrara-lhe fundo": contra a mulher, sua vida como homem, conduta como pessoa, a ruína está no ápice quando entra no quarto de Libânia e a observa dormir sem coragem de tomar outras atitudes. D. Inácia e Isaura assistem a tudo. D. Inácia questiona Libânia e Alfredo a salva dizendo que foi ele que a mandou dormir só.

36 O início e o fim é uma adivinha de Libânia: " a mãe é verde, a filha, encarnada.A mãe é mansa, a filha é danada." . O capítulo se passa todo na alcova com os três conversando e brincando: são histórias, cantigas, mémorias. Libânia fala da morte de sua mãe e do novo casamento de seu pai. Alfredo lembra internamente do alcolismo de D. amélia.

37 Marca o primeiro "estalo" da casa ouvido por Antônio. A linguagem ganha tons poéticos, como em muitos outros capítulos "e quando clareava Belém escorria, sacudindo-se como uma arara molhada". Ocorre uma conversa entre Alfredo e Antônio sobre estudos, os noivos. Chega muita comida e bebida para o círio, fruto da corrupção de seu Virgílio.
É revelado (para o leitor, pois Isaura fica sem saber) o noivado secreto de Emília, com um homem que ela conhece ainda casado, mas que agora é viúvo e com sete filhos, advogado e com o apelido de PORCA PRENHA. O pedido de casamento e o "ar" de culpado de seu Vírgilio ocupam o resto do capítulo.

38 Os "meninos" voltam da rua e encontram ainda o advogado pedindo Emília. Após a saída do pedinte: D. Inácia Chora, Emília bate em Libânia, seu Virgílio tenta bater em Antônio e Alfredo, movido por seu conflito interior. Termina-se o capítulo com o choro de Libânia.

39 Na manhã da trasladação, Alfredo e Libânia vão ao ver-o- peso, ela fazer compras, ele olhar o povo: sua família que não veio, o pai de Libânia também não. O leitor quase pode ouvir as músicas, as vozes, ver os costumes. um "verdadeiro arraial sobre as águas". Antônio também estava presente fazendo traquinagens entre os barcos e as pessoas na rua.

40 Descreve a trasladação: Alfredo e Antônio acompanhando; Libânia e D. Inácia nas janelas da casa, Emília e seu noivo "aos beijos" como muitos outros casais, seu Vírgilio sumido.

41 Volta-se totalmente para Mãe Ciana na casa de sua filha Gualdina : local de esconderijo do bandoleiro e Etelvina. Mãe Ciana está só, seu Lício levou os "noivos" para fugirem pro Guamá no barco "são Benedito". Mãe Ciana revê sua vida ao lado de seu Lício e sai para acompanhar a trasladação descalça e ajoelhando-se na saída. briga com o que considera desrespeito a santa e acaba encontrando Alfredo com quem volta de mãos dadas.

42 É um longo capítulo por conta das digressões. Começa com seu Virgílio angustiado na noite da trasladação, preso em casa. Continua com seu Virgilio na manhã do círio Saindo e encontrando Mãe ciana, volta para casa e sai de novo na chegada de seu Lício convivado para almoço. Virgílio não volta para o almoço. O almoço do Cirio na casa dos Alcântaras acontece num clima de ironia , são convidados: seu Lício, O advogado "noivo" Viriato e Isaura que percebe o noivado e ironiza e desmascara o passado devasso do "porca prenha".
Seu Vírgilio só retorna a noite e acaba recebendo a visita de seu Albuquerque da alfândega quem vem despedi-lo.A casa começa a cair literalmente.

43 O último capítulo inicia-se com Alfredo indo buscar os ingresso do cinema e levando-os para Isaura,mesmo após a briga ela diz que ele deve dá-los para as Alcântaras.Alfredo volta pra casa e o clima de ruína está completamente instaurado: o noivado acabou, o emprego não existe mais, a casa está caindo, fogem Virgilio e Emília, os garotos saem da casa e a madrinha fica lá dentro e parece que só irá sair depois que Antônio quebra uma iluminação pública.

JÁ QUE NÃO DEU PRA SER DALCÍDIO...

Hoje é um dia enforcado, amanhã é comemorada a Adesão do Pará à Independência do Brasil, na verdade só não fui trabalhar, movido a doença e atestado. Resolvi então publicar algo que meus alunos(as) pedem bastante: uma pequena análise do romance Belém do Grão Pará de Dalcídio Jurandir, mas - Oh ! analfabetismo - ainda não consigo transferir o arquivo para cá, serão precisos mais alguns dias de blog, eu acho.
O poema que publiquei anteriormente tinha nas "costas" do original um outro poema,incompleto, com a página complementar perdida,o dia é de procurar e fiz isso. Acabei achando o complemento e mais uma bela página pintada pelo tempo, era branca, como será que ficou assim?, quase que tiro uma foto para lhes mostrar, mas como a preguiça não deixa, aí vai o outro poema: longo, aparentemente tradicional até com a referência a canto, lembrança de uma paixão ou paixões que vou gastar um tempo lembrando qual...
CANTO A UM NÃO-SEI-O-QUÊ
I
Aonde nos encontramos,
com quantos olhos,
com quantos planos?
naquele momento,
ou em algum tempo
ainda não descrito
em calendários ou versos?
Em um bar,
em um lar?
Em uma noite ou dia?
(ou não existirá medida para encontros?)
- há tanto envolvido,
há tanto escondido -
...e por trás dos nossos olhos
passam as águas das enchentes.

II
Dementes que sou,
Escrevemos as cartas
(os mapas dos corpos),
O prazer que sentias
eu ouvia, contado pelo vento
em alguma dessas esquinas...
(tantas meninas vieram ao teu ventre
e nasceram de minhas mãos)
- Até hoje não consegui entender
que magia era esta que te permitia
conversar com o vento(?)

III

Com o tempo
ou com a noite,
Deliro teu nome
- Deliro não -
me transformo nele.

IV

Ontem lembrei de teu rosto,
Não como estampado no retrato,
- sorriso in locu -
Mas como o vejo
Nas tochas,
Nos filhos,
Nas árvores...
(pensamento mais besta
achar que me percebes assim...)

V

Nunca.

VI

A visão que eu tinha da loucura
Era de algo branco.
-Tão branco que eu não podia ver -
A não ser aos loucos,
que a manchavam
com suas cores
berrantemente contrastantes.
- Aonde mergulhei,
ou fui mergulhado?

VII

Dez e 42 da manhã,
De um dia não exato,
de qualquer mês,
de algum ano entre
76 e 78 de 1900.
Cortei uma de minhas veias do pulso
atrás de uma pipa
- que não consegui -
Só me restou a hora: exata
e o sangue:abundante
pedindo uma represa,
que hoje vejo feita
(muitos anos mais tarde)
com tuas palavras
montadas em teus sonhos
- Teremos extinguido espécies raras,
impedido a liberdade expontânea dos índios,
trocado de nome
tentando esconder ideologicamente as razões? -
(que não me perguntem por você,
não saberia falar de mim)

VIII

O que é das cordas? - meus pescoço espera.

IX

Brincamos tanto
ao pé das flores,
dos tacacpas e maniçobas.
Os truques na manga
são guizos,
lindos balões
em teus cabelos vermelhos
a descobrir os segrdos de meus dentes.
-Descrente que és-
Meus pés e pernas
te recolhem,
Teus braços e peitos me confundem,
nos leitos em que voamos.

X

Virastes - Viramos
pobres mortais
pra sempre juramos
-E se não for mais?
As luzes acesas
E os choques neon,
te queimam o ventre
me cortam a alma,
A palma da vida
É o nosso beijo
varando o futuro.

A ESTRÉIA

A idéia surgiu da necessidade de compartilhar com alunos(as), amigo(as) e a quem interessar possa, meus estudos, escritos, vivências, enfim, é mais um grande espurgo,uma limpeza em que a leitura de vocês funciona como o mais poderosos do limpadores. O poema escolhido para a estréia, não o foi por ser extraordinário ou mais especial que qualquer outro, tenho que ser sincero e serei tanto quanto um poeta pode ser: a escolha foi pelo que eu achei no meio das pastas e gavetas da mémória e das estantes. O poema faz parte de um livro inédito, chamado de ARRABALDES DA LOUCURA que, mais do que obviamente, surgiu - em parte- quando eu lia História da loucura na Idade Clássica de Foucault. Chama-se O VASO:
Ontem sonhei claramente
contigo,
e de tão claro
meu sonho virou luz.
Então saiu por aí a pertubar as madrugadas com sua voz
infinitamente colorida -
e só deixou em mim o gosto,
de estar em pleno
trabalho de parto.