As muitas caras da Poesia

8.31.2009

As muitas BANDEIRAS da poesia...


Uma das obras mais líricas e belas da literatura brasileira é a de Manuel e suas muitas bandeiras, por onde começar o que sempre será uma síntese? Pensei em um comentário metapoético e po que não de Drummond falando em sua forma clara ,direta

Pasárgada
Não foste embora pra Pasárgada
Não era o teu destino.
Não te habituarias lá.
Em teu território próprio, intransferível.
Nem rei, nem amigo do rei
És puramente lúcido
e dolorido homem experiente
que subjugou seu desespero
a poder de renúncia, vigília e ritmo.
(DRUMMOND, Carlos)

A ida para Pasárgada , lugar mitológico criado por Bandeira para livrar-se dos inconvenientes da doença, realmente não ocorreu, O poeta supera a doença e a transforma em poema, não sem sofrimento “ Dolorido homem”. Os livros de Bandeira fazem uma painel da angústia até a superação, passando pela auto ironia e a saudade.
Bandeira nasceu em 1886 e pertence a uma geração de simbolistas e pós-parnasianos, tem um sentimentalismo Inato e romântico.
Cinza das horas, que sempre me faz lembrar a música V'ambora, da Calcanhoto, ainda bem simbolista, é angustiado e tenta inibir o sentimento

Um lírio alvo e franzino
nascido ao por do sol, à beira d'água
numa paisagem erma , onde cantava um sino
a de nascer inconsolável mágoa....
A vida é amarga. O amor um pobre gozo...
Hás de amar e sofrer incompreendido,
triste lírio, franzino, inquieto, ansioso
frágil e dolorido...
Já em Carnaval os ritmos dançam com certa irregularidade (já moderna) e melancolia acompanhada de um humorismo destruidor.

Os sapos

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
Bandeira é um poeta da primeira fase moderna, a de 22, portanto há nele uma faceta rebelde, contrária a poética tradicional dos parnasianos. “Os sapos” pertence a este momento. Há uma clara referência aos poetas parnasianos e ao seu modo de fazer poesia “meu cancioneiro é bem martelado”, que vê o poema como algo saído de uma oficina e se vangloriam do fazer poético. O mais interessante é o final, as três últimas estrofes, a revelação do poeta moderno, seu lugar, seu abandono.
Em Ritmo Dissoluto, 1924, há um movimento
de regressão ao passado, procurando resgatar a memórias dos momentos, da família, das festas...

Profundamente
Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci.

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.
Dois momentos de um adormecer: o sono e a morte. Um poema saudosista, mais um dos lados do lirismo de Bandeira. O relato de um fato q se mistura ao sentimento é uma característica do modernismo.
Na verdade, Ritmo dissoluto, Libertinagem (1930) e Estrela da manhã (1936) pode ser considerada a trilogia modernista de Bandeira. O primeiro é a introdução do poeta na modernidade, o segundo de plena realização moderna, mais audacioso, e o terceiro a conciliação entre o novo e o velho. É a estrela ( o amor, o ideal , a poesia) da maturidade do poeta. A estrela é um símbolo que perseguirá o poeta.


Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Poema de LIBERTINAGEM, rebelde, defensor da liberdade, usa até mesmo a linguagem panfletária, exaltada com típica influência futurista.

O poema inicial de Estrela da Manhã, tem o mesmo nome, começa metrificado e vai se tornando livre é a conjugação.

Estrela da Manhã

Eu queria a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda à parte

Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noite
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com malandros
Pecai com sargentos
Pecai com fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras
Com os gregos e com os troianos
Com o padre e o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto
Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás

Procurem por toda à parte
Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã.

BANDEIRANDO


Estou preparando um pequeno material sobre Manuel Bandeira, tá no forno, fervendo, mas antes, para pegar gosto, ritmo (tão importante para entender Bandeira)e para voltar a postar depois de uma imensa pausa, resolvi postar um poema, uma de minhas "bandeiras" mais desfraldadas
Disfarce
Vasculho tua vida com vontade,
Cada dobra, pedaço, cômodo escondido.
Remexo tua bolsa na frente de todos -
Disfarce? Ciúme? Não!
Só busco meu coração, desavergonhadamente,
Em tuas coisas, envolvido.